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O POETA

Publicada em 28/06/17 as 09:48h por Kalhil Gibran - 284 visualizações

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 (Foto: Reprodução )

Neste mundo, sou um forasteiro, um estranho; a solidão no imigrante é uma saudade atroz. No entanto, o exílio me faz sempre sonhar com a terra encantada, enquanto as doces imagens duma paisagem quimérica, distante, enchem toda a minha fantasia.
Sou um desconhecido dos meus parentes e amigos; quando com um deles me encontro, por acaso, pergunto a mim mesmo: Quem será esse? Onde e como o conheci? Qual o determinismo estranho que nos aproxima e nos faz falar?
Sou estranho à minha própria alma: por isso, quando a minha língua fala, não sei se ouço a minha própria voz. Às vezes, noto indefiníveis. movimentos quiméricos no íntimo do meu ser, que eu vejo, ao mesmo tempo, risonho, heroico, queixoso, tímido?.. Então, pasmado ante mim mesmo, procuro decifrar o enigma do meu espírito, e, não obstante, continuo sendo um desconhecido, envolto na né-voa e oculto pelo silêncio.
Sou estranho ao meu corpo. Quando, diante do cristal polido de espelho, observo em mim como que expressões que não correspondem ao meu íntimo sentir, e vejo, no fundo das minhas pupilas, imagens que não traduzem, de modo algum, o que está na minha alma.
Quando pelas ruas, sou seguido por jovens inquietos que dizem: — "Olha um cego! demos-lhe um bordão que lhe sirva de apoio!"
Depressa me afasto deles, mas logo me tomam os passos grupos de lindas donzelas, que exclamam juntas a mim: — "É surdo como uma rocha; mesmo assim, enchamos-lhe os ouvidos com canções de amor e juventude!"
Então, apresso-me a evitar o seu contacto; mas logo sou assaltado por bandos de homens que, correndo, me cercam, e vociferam: — "É mudo como um túmulo! Destra-vemos-lhe a língua!"
Cheio de medo fujo deles, e eis que me vou defrontar com um grupo de anciãos, que apontam para mim com os seus dedos trêmulos, enquanto dizem:
— "É um possesso… Perdeu o juízo no fundo fantástico dos gênios e dos demônios…"
Eu sou um estrangeiro neste mundo; viandante que percorre, inutilmente, toda a terra, de norte a sul, desde o nascente ao poente, em busca do solo natal, que nem eu, nem ninguém o terá visto, que ninguém o conhece ou terá ouvido falar dele.
Quando amanhece e desperto, vejo-me preso numa gruta sombria, de cujo teto pendem, por todos os ângulos, inquietos hóspedes alados, temíveis e horrorosas serpentes. Saio logo para a luz, e sou perseguido pela sombra do meu corpo, assaltado pelo fantasma de minha alma, que me transporta por caminhos desconhecidos, para horizontes inexplicáveis, tomado por coisas sem utilidade e sem finalidade alguma.
Ao tombar o dia, volto a cair no meu leito de penas quebradas e espinhos aguçados por martírios. Aí, sou perseguido por pensamentos estranhos e se apossam de mim desejos que se contradizem, instantes dolorosos e molestes, seguidos de outros, prazenteiros e felizes…
Meia-noite em ponto; e, pelas fendas das rochas, entram duendes em minha gruta, visões dos tempos idos, espectros de nações esquecidas. Olhamo-nos firmes, por momentos; quando os interrogo, sorriem e não respondem; por mim, se os quero apanhar, esfumam-se como o nevoeiro.
Neste mundo, eu sou um forasteiro. Não existe quem compreenda uma palavra, ao menos, da linguagem da minha alma. Percorro os ermos desertos, fito os regatos velozes que correm do cimo das montanhas até o fundo dos barrancos; vejo as árvores nuas revestirem-se de virente folhagem e logo frutificarem, espalhando pelo solo, instantes após, as folhas secas dos ramos frondosos, agora feito áspides, contorcidos num torpor de frio sono… Também contemplo as aves que voam de um para outro lugar, subindo e descendo, trinando, alegres ou tristonhas, que param, por fim, de asas abertas, transformadas, por instantes, em mulheres nuas de cabelos soltos e seios ebúrneos, que me olham através de pestanas que a paixão finge de lânguidas, sorrindo com os lábios rosados e úmidos de mel, estendendo-me as suas mãos finas e perfumadas, e que, no entanto, desaparecem logo na névoa, deixando no ar o eco das suas risadas sarcásticas, que zombam de mim…
Eu sou um estrangeiro neste mundo. Sou o poeta que, de passagem pela vida, canta em seus versos o que ela possui de mais profundo, harmonioso e belo.
Eu sou um estrangeiro, e serei sempre um estrangeiro para mim, até que a morte me leve e me faça voltar à minha verdadeira pátria. 

(GIBRAN, KHALIL in Antologia do Pensamento Mundial, Ed. Logos




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