No país que mais parece um circo dos horrores, reza a lenda, ainda acontecem coisas boas, e ainda há pessoas capazes de bons atos, embora seja de fato a cada dia mais difícil de acreditar.
Geraldo Casalli, um motorista de ônibus de São Carlos - SP, levava no ônibus, em um dia ordinário de expediente, quinze estudantes atrasados para o ENEM - que virariam meme, no máximo, e teriam que tentar de novo no ano que vem, enfrentando a sensação de desperdício de tempo, muito mais horrorosa quando se é jovem (e, consequentemente, imediatista).
Ele poderia seguir o trajeto - e as regras da empresa para a qual trabalha, e a essência coletiva do tipo de transporte que conduz - mas optou, humanamente, por mudar o trajeto e evitar que os estudantes se atrasassem.
Regras são feitas para seres humanos, de modo que, num sofismo barato, o ato de Geraldo não foi heroico, tampouco anti-heróico, foi humano.
Gosto de pensar que há dois tipos de motoristas de ônibus: aqueles que são muito mal humorados - não respondem ao seu "bom dia" - e aqueles que são gente finíssima, gente que finge que acredita em quem diz que foi assaltado porque não tem dinheiro para a passagem, gente que para fora do ponto para que mulheres saltem em ruas menos desertas, gente que pega a sensibilidade debaixo do travesseiro e leva pro trabalho.
Geraldo, é claro, está no segundo grupo.
Diz que pensou nas filhas quando mudou o trajeto - esse sentimento, esse lindo sentimento que alguns chamam de empatia - pode se manifestar em qualquer um, em qualquer lugar e em qualquer trajeto, gosto de crer.
Lembrei de uma coisa de ouvi de um filósofo que nunca terminou o segundo grau, o meu pai: "A gente não tem medo de nada, até ter filhos. Depois que você tem filhos, você treme só de pensar que alguma coisa pode acontecer com eles."
Penso que talvez Geraldo tivesse visto a imagem das filhas nos estudantes que ajudou, e penso no quão bonito o amor paterno pode ser, quando floresce. Talvez tenha tremido só de pensar que suas filhas sofreriam a angústia de terem se preparado o ano inteiro para um exame que não aconteceria por uma questão de minutos, e talvez tenha sido levado por esse sentimento sublime a arriscar o próprio emprego para ajudar quinze desconhecidos.
Ou talvez seja só um motorista de ônibus gente finíssima.
A essa altura, qualquer das opções é desejável.