A verdade é que crianças não têm dimensão do quanto dói um coração partido, então, para elas, a única dor possível é a do joelho, ou as dores que os tombos permitirem.
Pergunto então: Que criança em sã consciência já deixou de andar de bicicleta por causa de um tombo caído?
Se bem me lembro, em minha infância era assim: A gente caia, corria pro colo de mãe… às vezes, só gritava por ela e ela prontamente atendia, ela cuidava, colocava remédio (que aqui entre nós fazia doer bem mais que o machucado original), dava-nos carinho, por vezes, um doce e dizia: Agora que caiu, levanta e vai brincar de novo.
Menina moleca que sempre fui, tive uma infância repleta de fatos marcantes com direito a joelhos e cotovelos ralados, a quase perda de um dente, uma ida ao hospital para descobrir que a dor não era pedra nos rins mas sim efeito de um tombo de árvore, e tantas outras coisas retratadas nas minhas cicatrizes. Por outro lado também tive uma infância repleta de gargalhadas, brincadeiras, colos de mãe, abraços de pai e broncas. Uma infância doce, digna de toda criança, a infância perfeita pra mim.
Desastrada que sempre fui, olho até hoje para cada uma das marcas que os tombos ousaram deixar em meu corpo e acabo por vezes gargalhando sozinha. Principalmente quando ainda consigo tropeçar em algo, deixar algo cair, quebrar e logo vem a frase: Que novidade, só podia ser você!
O que um dia foi motivo de choro hoje é motivo de alegria.
As cicatrizes essas marcas que tantos acham feias, são motivo do meu orgulho. Quando olho para cada uma delas, é como se um filme passasse em minha mente. Eu lembro da criança que fui e é ela que me fez a mulher que sou hoje.
Lembrando de cada cena, de como tudo aconteceu eu penso, como fui fazer isso?
Mas também lembro com carinho do colo que não faltava, mas junto do colo sempre vinha um: Levanta e vai de novo, mas cuida!
Por vezes também o colo vinha acompanhado de uma bronca e um remédio que fazia arder muito, lágrimas por vezes rolavam dos olhos, não pelo machucado, mas por causa do remédio para poder ficar bem.
Então, entendi, só agora que sou adulta e minha criança interior ainda pulsa aqui dentro as lições que a infância queria me ensinar:
1) Tombos são por vezes inevitáveis, parte do tempo eles acontecem apenas por mera distração. O importante então não é não cair, mas talvez cair por motivos diferentes e cada vez menos.
2) Colo de mãe e abraço de pai curam sim, não há no mundo outro remédio que não seja o AMOR.
3) Para curar, às vezes, vai doer muito, mas depois que passa a gente nem lembra mais o tamanho da dor.
4) As broncas são necessárias, elas servem de guia para nos levar ao caminho certo.
5) Não é errado cair, o problema é permanecer no chão e se entregar à dor do momento.
E a última e mais importante de todas:
JOELHOS RALADOS DOEM SIM, MAS NÃO É POR CAUSA DE UM TOMBO OU OUTRO QUE EU VOU DEIXAR DE ANDAR DE BICICLETA!
Assim é na infância, assim é agora.
Talvez a receita seja essa, curar nossos corações, da mesma forma que fazíamos com nossos joelhos, e não deixar que a dor nos impeça de continuar pedalando e desfrutando das inúmeras belezas que a paisagem tem a nos oferecer, apesar de um tombo ou outro.