Chico Buarque completa 70 anos nesta quinta-feira. São sete décadas de hinos que dão voz a personagens que vão de mulheres a malandros e falam como ninguém do Rio de Janeiro, de política e de amor. Uma obra gigantesca e definidora do país, de acordo com Tárik de Souza. Um dos mais importantes artistas do Brasil, portanto.
Mas você conhece as histórias por trás das músicas de Chico? Entre os escafandristas de Futuros Amantes e a catatonia de Já Passou - como destaca Pedro Gonzaga -, algumas circunstâncias por trás de composições são conhecidas. Outras, nem tanto. ZH escolheu cinco músicas de Francisco Buarque de Hollanda e conta as histórias que o levaram a escrevê-las, com ajuda do livro Chico Buarque - Histórias de Canções, lançado em 2009 por Wagner Homem.
1. Apesar de Você, uma das poucas músicas "realmente de protesto"
Exilado na Itália, Chico Buarque via de longe a ditadura militar governar o Brasil. Viu Gilberto Gil e Caetano Veloso serem presos e depois exilados em Londres, Vinícius de Moraes ser aposentado de seu cargo no Itamaraty por conta do AI-5, as denúncias de tortura e prisões políticas e a posse de Médici, em 1969. Aconselhado por Vinícius de Moraes a voltar "com barulho" ao Brasil, Chico foi recebido no Aeroporto do Galeão, vindo de Roma, por amigos, fãs, pela Torcida Jovem Flu e por uma bandinha, segundo conta o livro Chico Buarque - Histórias de Canções.
De um lado, o compositor via a censura correndo atrás de artistas como ele. De outro, ouvia músicas nacionalistas como Eu te Amo, meu Brasil, de Dom e Ravel, e Pra Frente Brasil, de Miguel Gustavo. Resolveu fazer o que ele mesmo considera uma de suas únicas músicas de protesto, que diz que "hoje você é quem manda, falou, tá falado" e pergunta "como vai proibir quando o galo insistir em cantar?". Mandou a letra para a censura e, para sua surpresa, ela foi liberada integralmente. Em uma semana, o compacto vendeu 100 mil cópias - até que uma nota publicada em um jornal do Rio insinou que o "você" do título era Médici. Foi a senha para que todos os compactos fossem recolhidos, a execução em rádios fosse proibida e até mesmo o censor desastrado fosse punido. Mesmo a resposta - cínica - de Chico, de que a música não seria para Médici, mas para uma "mulher mandona", não colou.
2. Geni e o Zepelim, baseada em Guy de Maupassant
No final dos anos 1970, o diretor Luiz Antônio Martinez Corrêa leu a notícia de um bandido italiano radicado no Brasil e teve a ideia de adaptar a Ópera dos Mendigos, peça de 1729 de John Gay, e procurou Chico Buarque, que já tinha a ideia de fazer uma montagem de Ópera dos Três Vinténs, texto de 1928 de Bertolt Brecht. Do estudo, nasceu Ópera do Malandro - que virou peça, em 1978, álbum, em 1979, e filme, em 1986.
Nesta composição, Chico se baseia no conto Bola de Sebo, de Guy de Maupassant, que também fala de uma prostituta. Há quem veja na letra uma crítica ao capitalismo e à religião opressora. Interpretações menos profundas (e mais literais) levaram pessoas a jogarem terra em prostitutas - já que não tinham bosta, como canta a música.
No programa Canal Livre, em 1980, o compositor lamentou o fato, dizendo que "o artista está sujeito a coisas do tipo, mas que não deve submeter o processo criativo ao temor de ser mal entendido", segundo o livre de Homem. Ele ainda disse que as pessoas gostam de artistas por motivos que são mais das pessoas do que dos artistas.
3. Construção, a experiência formal e o jabá
Em 1993, mais de 20 anos depois de lançar Construção, Chico Buarque admitiu à revista Status que a ideia inicial da composição era fazer uma "experiência formal", com estrofes terminadas em proparoxítonas. A poesia, somada aos arranjos do maestro tropicalista Rogério Duprat, formaram o que talvez seja a música mais conhecida e celebrada de Chico Buarque.
Porém, como conta o livro de Wagner Homem, o sucesso se deve a outro elemento, não tão nobre: o jabá. Em 1989, em entrevista à revista América, o cantor contou que, anos antes, havia reclamado para seu antigo "patrão" de gravadora que o pagamento para rádios populares tocarem determinadas músicas (o famoso jabá) havia crescido muito naqueles anos, quando o executivo revelou: "Você lembra do sucesso de Construção, uma música difícil, pesada, muito longa para a época, que tocava no rádio o dia inteiro? Pois paguei muito jabá por ela".
Outra estratégia teria sido tentada pelo advogado da gravadora, João Carlos Muller Chaves: ele teria pedido informalmente para que os censores proibissem a música (o que daria ainda mais mídia para o lançamento). O resultado: por birra, a música foi liberada integralmente.
4. Retrato em Branco e Preto e as discussões com Tom Jobim
Em uma de suas mais celebradas parcerias com Tom Jobim, Chico Buarque ouviu questionamentos do compositor carioca acerca de dois detalhes. Antes de gravar a canção, Chico decidiu trocar "peito tão marcado" por "peito carregado", já que "tão", ele admitiu, era uma palavra usada só para completar as sílabas necessárias. Pouco tempo depois, Tom Jobim ligou de volta e aconselhou que "tão marcado" fosse mantido, já que "peito carregado" dava a ideia de tosse.
Mais tarde, Tom Jobim decidiu que o título deveria ser Retrato em Preto e Branco, já que "ninguém fala 'branco e preto'". Chico respondeu ironicamente, trocando "soneto" por "tamanco", para rimar: "Então tá, fica assim: 'vou colecionar mais um tamanco, outro retrato em preto e branco'". Tom cedeu.
5. Futuros Amantes e os escafandristas
Vamos deixar que o próprio Chico explique, com um relato tirado de seu DVD Romance:
"Eu estava mexendo no violão, comecei a fazer a melodia, e a primeira coisa que apareceu foi exatamente cidade submersa, isolada de tudo... Porque cantarolando parecia cidade submersa, parecia que a música queria dizer isso. E eu tinha que ir atrás depois, tinha que explicar essa cidade submersa, tinha que criar uma história. Apareceu essa cidade submersa exatamente antes de qualquer coisa. Aí eu coloquei esses escafandristas e esse amor adiado, esse amor que fica para sempre, né? Essa ideia do amor que existe como algo que pode ser aproveitado mais tarde, que não se desperdiça. Passa-se o tempo, passam-se milênios, e aquele amor vai ficar até debaixo d'água. E vai ser usado por outras pessoas. Amor que não foi utilizado. Porque não foi correspondido, então ele fica ímpar, pairando ali, esperando que alguém o apanhe e complete a sua função de amor."