A crise que testemunhamos é de demolição, lição do demo.
Lição da fragmentação, do egocentrismo, da exclusão, da falta de escuta, da
perda dos valores fundamentais da espécie. É também uma crise da crisálida, de
transição, de espasmos de parto de uma nova consciência. Há motivos de sobra para as nossas lágrimas e, também,
para os nossos risos.
Como afirma a sabedoria chinesa, crise significa perigo e oportunidade. Para os
despreparados, representa estresse e colapso. Para os bem centrados, significa
um trampolim para o aprendizado e a evolução. Se não podemos evitar a demolição
já em curso, sempre podemos nos preparar para a tarefa de reconstrução,
inspirando-nos no lótus, que brota do lodo e o transforma em flor. Transmutar
os escombros de nossas torres de Babel do suposto-poder, em pedras de suporte
para a edificação de um novo viver, mais integrado, solidário e digno, eis um
portentoso desafio do novo milênio.
Diante destes cenários, onde antigas profecias convergem com sóbrios discursos
científicos, é imprescindível cuidar de nossos jovens, os Navegantes de um
Renovado Mundo, a ser desvelado e edificado. O sintoma talvez mais tocante e
desolador de nossos descaminhos é o crescente e alarmante índice do suicídio
infanto-juvenil. Uma estatística recente informa que, nos Estados Unidos,
quarenta crianças se suicidam, diariamente... Crianças estão matando crianças e
se matando, eis uma face do terror de nossos tempos, pela qual, cada um de nós
é responsável.
Cuidar de nossos
jovens é, antes de tudo, abrir a nossa escuta para os seus desejos, os seus
sonhos, os seus temores, os seus arrepios, os seus amores. Ser capaz do diálogo
aberto e franco. Como afirmam todos os bons terapeutas, pelas palavras do
Dalai-Lama, não se pode dissipar as trevas da ignorância enquanto não se
acender a chama da escuta.
Cuidar de nossos jovens é conspirar por uma nova educação que, além de um
rudimentar adestramento intelectual, possa colocar a alma e a consciência na
sala de aula. Necessitamos, prementemente, de uma alfabetização psíquica,
através de um currículo que inclua a subjetividade e facilite o desenvolvimento
das inteligências emocional, onírica, ética, noética, relacional e essencial.
Como conclama a própria Unesco, através de recentes e paradigmáticos
documentos, urge desenvolver a abordagem transdisciplinar em educação, através
de seus quatro pilares: educar para conhecer, educar para fazer, educar para
conviver e educar para Ser. Necessitamos, portanto, de uma pedagogia iniciática
que, através de uma via interior, facilite que o Aprendiz possa inclinar o
coração para aprender a aprender, esclarecendo e nutrindo suas sementes
vocacionais, para que possa fazer render os seus naturais e autênticos
talentos. Somente os vocacionados estarão preparados para os tremendos desafios
deste século, cujas caudalosas águas já navegamos! É com esta visão integral
que desenvolvemos, na Unipaz de Brasília, a Formação Holística de Jovens e a
Formação de Jovens Líderes.
Cuidar de nossos jovens é, sobretudo, dar um testemunho de um existir mais
íntegro e transparente, mais terno, sábio e fraterno. Menos discursos e mais
exemplos, menos palavras e mais ações. Gosto de lembrar de um simpósio que
assisti num congresso internacional de psicologia transpessoal, sobre
tecnologia do sagrado, ocorrido em 1986, focado no tema da violação infantil.
Denominado de As Crianças do Trauma, foi coordenado por Christina Grof. Uma
terapeuta americana, de forma sábia e contundente, iniciou uma fala, vigorosa e
tocante, com estas palavras, que busco resgatar através de um exercício livre
de memória:
"Pertenço a uma família onde, em três gerações, as mulheres se suicidaram no
mesmo dia, na mesma hora, do mesmo jeito. Eu não tive bisavó, eu não tive avó,
eu não tive mãe. Quando criança, sofri abusos, físicos e emocionais. Eu estava
totalmente perdida, quando encontrei um homem. Ele não tinha nenhum diploma.
Era representante de uma nação indígena. Este homem olhou para os meus olhos e
me disse: 'Ninguém pode machucar o seu Espírito, exceto você!' E tudo o que eu
sei, aprendi com ele. Depois fiz um doutorado, para que vocês me ouçam..." Ela
terminou a sua palestra com um poema que uma menina fez para a sua mãe:
No caminho simples,
a pequena menina disse à sua mãe:
Eu estou seguindo suas pegadas, mãe,
e não quero cair.
Às vezes, eu as vejo, nitidamente.
Outras vezes, mal posso enxergá-las.
Caminhe um pouco mais firme, mãe!
Para eu poder lhe seguir.
Eu sei que há muito tempo,
você percorreu caminhos difíceis que não queria percorrer.
Conte-me tudo sobre este tempo, mãe; pois eu preciso saber.
Às vezes, quando eu duvido, eu não sei o que fazer.
Caminhe um pouco mais firme, mãe!
Para eu poder lhe seguir.
Um dia, quando eu crescer,
você é quem eu gostaria de ser.
Então eu terei uma pequena garotinha,
que vai querer me seguir.
Eu quero poder saber conduzi-la à Verdade!
Caminhe um pouco mais firme, mãe!
Para eu poder lhe seguir...
Trata-se, simplesmente, de caminhar cada dia um pouco mais firme e ereto. Cada
dia, ser um pouquinho menos mentiroso, menos terrorista, menos desintegrado.
Cada dia, ser capaz de um pouco mais de veracidade, de amor, de fraternidade.
Caminhe um pouco mais firme, pai, mãe, político, empresário, educador,
cientista, artista, sacerdote, terapeuta!... Para que valha a pena os jovens
também caminharem ao nosso lado. Para que possamos, juntos, reinventar o mundo
e realizar, plenamente, o esplendor da Utopia Humana.