Filha de pais agricultores e dividindo a casa no sítio com cinco irmãos, Marcela Alves saiu do interior do Ceará para conquistar o mundo. Ela estudou nos EUA, fez pesquisas para Agência Espacial Norte-Americana (Nasa), ganhou um prêmio de menção honrosa da Organização das Nações Unidas (ONU), foi a primeira brasileira a participar de uma das escolas de verão mais importantes na área da ciência da computação e hoje luta pela inserção das mulheres nas ciências. Ufa! O currículo da cearense de 24 anos está apenas começando.
Marcela conta que sempre gostou de estudar. Na alfabetização, a primeira palavra que leu foi "foguete". Coincidência ou não, era o primeiro passo da cearense "ao infinito e além".
Na pequena escola pública José Joacy Pereira, em Aratuba, ela já se destacava com medalhas em olimpíadas de física e astronomia. No ensino médio, estava decidida a cursar física ou matemática, até que um episódio lhe tirou o foco: "O Governo do Estado decidiu passar a matrícula da minha escola, que era feita manualmente, para a internet. Achei muito genial o tempo que economizava. Então eu pensei: tenho que aprender a fazer isso, desenvolver esses programas e ajudar a minha cidade de alguma forma".
Encantada pela área da computação, Marcela se deparou com o primeiro empecilho: como aprender a usar computador se ela nem ninguém de sua família tinha condições de comprar? Na mesma época, veio também a primeira conquista: ela ganhou uma bolsa integral do ProUni para cursar Ciência da Computação na Faculdade Farias Brito, e dar início ao seu sonho.
A aratubense partiu para cidade grande e foi morar com uma de suas irmãs. "Eu entrei na faculdade muito entusiasta, não sabia de início o que eu de fato iria estudar, só tinha certeza que iria terminar sabendo mexer em computadores, fazendo softwares e que eu iria ajudar muita gente".
No início das aulas, Marcela conta que definitivamente percebeu que precisava do equipamento; e então, foi em busca de conquistá-lo. "Eu tentava chegar mais cedo na aula, para praticar no computador. Todo mundo na sala de aula com seu laptop, e eu anotava tudo no caderno", relembra. Conciliando as aulas na faculdade mais o emprego de 8 horas por dia, suas economias permitiram que ela tivesse o primeiro computador aos 19 anos.
Ainda recém-chegada, no terceiro semestre, a dedicada e entusiasmada aluna participou do Microsoft Inovation Center, um programa da Microsoft para alunos universitários, e estagiou no Instituto Atlântico, desenvolvendo aplicativos mobile por dois anos.
De Aratuba para o mundo
Em 2013, próximo ao final do curso de Ciência da Computação em Fortaleza, a aluna decidiu adiar sua graduação para entrar no programa Ciência Sem Fronteiras, do Governo Federal, com intuito de fazer intercâmbio em Portugal, já que não falava outra língua além do português. Ao se inscrever, ela nem imaginava que este um ano e meio longe de casa iria valer seu currículo inteiro.
Surgiu a primeira surpresa: o destino traçou uma nova rota e a redirecionou para os Estados Unidos, desembarcando no estado do Arizona. "Durante o processo o país saiu da chamada, então eles redistribuíram os alunos em países que falavam outras línguas". Sem falar uma palavra em inglês, ela conta que passou um semestre tendo aulas intensivas do idioma para depois desenvolver estudos na sua área.
No segundo semestre longe do Brasil e bem distante do Ceará, ela teve contato com o telescópio espacial Hubble, o mais importante de todos os telescópios que já foram construídos no mundo, através de uma disciplina optativa de astronomia. Interessada pela área, determinada em desbravar o espaço que ia além da computação, ela mandou um e-mail para o professor pedindo sua aprovação participar do projeto de pesquisa da disciplina, financiado pela Nasa. "Lá é assim, se você for atrás e gostar muito de estudar, eles abrem todas as portas para você".
Nem durante as férias ela parou. Marcela passou na seleção da escola de verão Wolfram Science, dirigido por Stephen Wolfram, um dos cientistas da computação mais importantes do mundo, que abre uma seleção mundial, onde escolhe apenas 50 pessoas para participar. "Pensei: Eu? Entre essas 50 pessoas no mundo todo? É claro que esse cara não vai me escolher! Mas eu vou tentar, pelo menos vou voltar pro Brasil sabendo que eu realmente dei meu melhor", relembra Marcela, ainda extasiada.
As surpresas não pararam por aí. A cearense também é a primeira brasileira a participar da escola de verão. "Se eu não me engano, apenas cerca de 4 brasileiros já estudaram lá. Quando eu fui, em 2014, já percebi que tinha pouquíssimas mulheres, e isso começou a me incomodar. Como é que até nos Estados Unidos, um país tão desenvolvido, a desigualdade ainda está tão relevante?".
Ainda durante seu intercâmbio, Marcela fundou o 'Brazilian Club' junto com alguns amigos brasileiros. O projeto de extensão foi registrado pela instituição que estudava, a Arizona State University, e consistia em ajudar os alunos brasileiros que estavam indo para a universidade. "Quando eu passei pro Ciência sem Fronteiras, não tinha quase ninguém para ajudar. Na época perdi avião, passaporte e muito tempo. Então eu pensei: eu não quero que ninguém passe pelo que eu passei", explica.
Além do apoio aos brasileiros, eles queriam mais. Por que não mostrar para todos o porquê de estarem lá? O projeto também difundiu a cultura brasileira dentro universidade e reuniu os pesquisadores brasileiros que lá estavam, divulgando seus os projetos.
A luta pelas mulheres nas ciências
Voltando para o Brasil, em janeiro de 2015, após um ano e meio de aprendizado, Marcela conta que o fato de não ter encontrado muitas mulheres engajadas no Wolfram Science ainda estava lhe incomodando. Passados seis meses com o fato na cabeça, surgiu a oportunidade de tentar contribuir com a inserção das mulheres no mercado. "Em julho estavam abertas as inscrições para uma competição mundial de ideias para ajudar mulheres empreendedoras, pelo Trade Center (ITC), Google e CI&T."
Junto com a amiga Brenda Miranda, que conheceu durante o intercâmbio, elas criaram um aplicativo que aproxima mulheres empreendedoras, sendo uma das 5 finalistas da competição mundial Women Vendors' Forum and Exhibition (WVFE) Tech Challenge 2015″. Na reta final, elas não faturaram o prêmio, mas foram reconhecidas com uma menção honrosa pelo projeto.
Com o aplicativo, atualmente o time de Marcela está participando do Youth and Trade Programme do ITC, em parceria com a ONU, que ajuda jovens empreendedores a desenvolver seus projetos. Para isso, irão para o Quênia, para participar do "Encontro Internacional de Mulheres de Negócio".
Ao infinito e além
Graduada com um trabalho de conclusão de curso singular, desenvolvido na Wolfram Science, ela atualmente trabalha no Laboratório de Educação à Distância da Universidade Estadual (Uece), no desenvolvimento de aplicativo de educação à distância para pessoas com deficiência. E fazendo o que decidiu desde os 16 anos, quando teve contato com o primeiro computador: ajudar as pessoas através da ciência.
Ela não para, e faz planos para o futuro: Marcela deseja fazer mestrado e doutorado e ser uma cientista da computação. "Quero fazer meu doutorado fora. A minha experiência nos Estados Unidos me mostrou que é muito importante estar num time com pessoas do mundo inteiro. A troca cultural e de experiências é muito grande. A longo prazo é o que eu quero! Descobrir uma coisa bem legal, que vai mudar a história!", ela fala com a voz entusiasmada, da mesma menina de 18 anos que saiu do interior do Ceará para a capital, a passar pela Microsoft, Nasa, ONU, Stephen Wolfram, ITC e muito mais.
Algo diz que, depois de tantas conquistas, o Ceará ainda irá se orgulhar em ouvir novamente o nome Marcela Alves a ecoar no mundo. Há quem duvide?