Soube que, no Morro de Santiago, há uma revolução em curso. Ouvi dizer que alguns sonhos têm iluminado a madrugada e percorrido as ruas de areia como um clarão ligeiro e misterioso. Mesmo nas noites com tiroteio, eles continuam por lá, escondidos nas telhas e sob as pálpebras de alguns meninos que, durante o dia, carregam baldes de água para tomar banho e fazer comida. De manhã, o sol não deixa ver o brilho dos sonhos, que precisam tomar forma para continuar existindo. Por esse motivo, inventaram de construir uma biblioteca comunitária. Criaram o projeto "Aqui tem sinal de vida" e, com uma campanha de financiamento coletivo, juntam dinheiro para tijolos e livros.
Antes de ouvir os rumores da transformação, sabia que lá era lugar de desigualdade social, violência e esquecimentos. "Um dos locais mais perigosos de Fortaleza", ouvi. Maria Samires, de 13 anos, diz que um dia aconteceu uma situação péssima: a polícia invadiu o Morro e levou seus amigos. Não sei como foram "devolvidos" ou o que arrancaram de cada um deles. Há duas semanas, o desembargador gaúcho Amilton Bueno de Carvalho disse às Páginas Azuis do O POVO que "se tiver de prender alguém, tem que ser como um ato de amor, não como vingança". Lembrei da Maria, que ama os amigos, e dos meninos inocentes do Curió.
Tenho pensado, fora da virtualidade e dentro do corpo, o quanto é difícil ser radical e falar de amor quando muita coisa ao redor aponta para o medo. A voz do desembargador é utópica, sim, mas esse tipo de insistência na humanidade ecoa nos becos do Morro e ergue as paredes de um lugar que contraria a miséria e a exclusão para criar novas histórias.
Tem gente que é farol. Nas incertezas, iluminam o caminho lá de cima. Quando acharmos que tudo está perdido, é bom lembrar que tem uma meninada com livros nas mãos e isso pode ser mais poderoso do que pistola. Nos dias de olhos empoeirados e coração miúdo, podemos olhar em direção ao rio Ceará e observar o clarão que existe lá em cima. É um sinal.
Iana Soares.