Maria Gabriella Silva Santos, de 18 anos, uma aluna com deficiência visual do Piauí, comemorou a nota 940 – de 1000 – na prova mais disputada do ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio.
Foi uma das melhores notas de todo o país e agora Maria Gabriella vai realizar o sonho de estudar Direito na Universidade Federal.
“Como moro na zona rural e um pouco distante da escola, eu tive que fazer meu próprio cronograma, mas tenho como base os estudos da escola e tudo que aprendi lá”, disse ela num comunicado divulgado pelo governo do Piauí na semana passada.
A estudante é do povoado Baixio, no município de Pimenteiras, a 252 km de Teresina. Ela nasceu com glaucoma congênito, chegou a ver vultos na infância, mas depois perdeu completamente a visão.
Estudo na pandemia
Maria Gabriella atribui sua nota alta na redação ao plano de estudo individual que desenvolveu durante a pandemia, que impôs ensino remoto a estudantes em várias partes do mundo.
A jovem, que concluiu o ensino médio em 2019, percorria cerca de seis quilômetros para chegar à escola estadual CEEP Antônio Gentil Dantas Sobrinho, no Anexo Tapera.
Um de seus professores, Adonias Pedrosa, descreveu Maria Gabriella como uma “aluna dedicada e muito curiosa”, que “sonha muito alto” e era conhecida por tirar boas notas.
A mãe da estudante, Joana Darc dos Santos Silva, foi a primeira professora da filha. Ela é formada na área de educação e se especializou em Educação Especial.
“Devido às dificuldades que passei quando ela começou a estudar, eu tive que me capacitar e hoje sou formada em Pedagogia e tenho especialização em Educação Especial e ajudo outras pessoas”, explica.
Construção da sala de aula
E entre as dificuldades estava a escola local que não tinha estrutura para alunos especiais. Isso fez com que a família lutasse na justiça para construir o espaço.
Com a demora de implantar a sala na escola, a mãe chegou a acionar o Ministério Público Estadual. Sem resposta imediata, em 2012, Joana Darc fez uma proposta para o colégio de construir a sala de recurso.
O pai e o avô de Maria Gabriella iriam construir o local e a escola daria o material de construção. E assim foi feito. Hoje a sala beneficia todo o povoado.
Coringa e O Alienista
O longa-metragem que narra as origens do vilão dos filmes de ‘Batman’, o Coringa, com reflexões psicológicas e sociais, foi uma ponte que a estudante piauiense trouxe à tona para debater sobre o preconceito as pessoas com problemas mentais.
Maria Gabriella assistiu ao filme na internet com ferramenta de áudio tradução, e teve que contextualizá-lo na redação do Enem. Isso ajudou a tirar 940 pontos na prova mais disputada do País.
Com dificuldade de acessibilidade e poucos livros em braile, ela se prepara para ingressar numa universidade usando a internet. Sua história é de resistência e luta.
Ao escrever a redação, Maria Gabriella, contou que resgatou também a saga de Dr. Simão Bacamarte no conto “O Alienista”, de Machado de Assis, que tratou sobre a loucura.
“Eu usei o livro O Alienista para ressaltar os estereótipos das pessoas com doenças mentais que vêm desde o passado até o presente. E o filme Coringa para mostrar essa cultura enraizada de preconceito que perdura até hoje”.